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«Religião e Apoio Social» é uma junção que me remete em primeira mão para uma conotação histórica da história do Serviço Social e da Assistência que, em Portugal, nem sempre serviram fins edificantes.
Perdoem-me a franqueza mas, expressões como «a religião é o ópio do povo» ainda me vêm à cabeça sobretudo e, no nosso caso, na vertente da prática ritualizada da igreja católica que em troco de «ajuda» ás classes e ás situações mais vulneráveis ensinava a submissão e a resignação como virtudes maiores, a par com o enaltecimento da pobreza (a dos outros, será bom de entender).
Fui educada na crença no Estado Providência, na Política Social e nos Direitos do Homem e, talvez por isso, tendo a achar que a acção das Igrejas embora importante, deve ser suplectiva da Acção Social do Estado.
No entanto, como cidadâ e como profissional, não me posso alhear de todas as mudanças estruturais e conjunturais que têm vindo a acontecer, nem da velocidade a que acontecem e que nos deixam no tal terreno pós-moderno que de tão cheio de teorias sobre todos os assuntos, não nos deixa referenciais de escolha. Correndo os riscos de uma metáfora infeliz, posso achar uma analogia com as dezenas de marcas diferentes de um mesmo produto (iogurte, por exemplo, que faz bem à saúde) que povoam as prateleiras de supermercado e nos dificultam a escolha informada ou então a tornam perfeitamente aleatória.
E surgem-me outras conotações para «Religião e Apoio Social». De entre várias, selecciono duas que na minha prática profissional como Assistente Social e na minha experiência de vida foram relevantes:
- a conotação do excelente trabalho que se desenvolve em alguns centros paroquiais (por desconhecimento, não falo das iniciativas sociais de outras igrejas de outras religiões). E não só o trabalho profissional, remunerado, mas também a acção voluntária de solidariedade com os outros, de humanização do tecido social e dos territórios onde estão implantados, a dedicação a causas e movimentos sociais, o «ajudar», ficando junto sem superioridades nem subserviências, entre tantos outros aspectos;
- a conotação da espiritualidade que, nos dias de hoje, me parece de grande relevância.
Numa sociedade que «vende» uma imagem das pessoas eternamente jovens, alegres, em busca fácil da felicidade e do prazer, todos os problemas, naturais ou acidentais que as pessoas (e as famílias, e os grupos, e as organizações e os territórios, ...) enfrentem no seu ciclo de vida parecem destoar.
Mas as pessoas continuam a ficar desempregadas, a morrer, a adoecer, a sofrer desgostos vários, a não conseguir pagar a casa, a não conseguir levar uma vida condigna ... e isso (apesar de encher as páginas da imprensa escrita e os tempos de telejornal) parece sempre que são problemas dos outros - dos que nasceram pobres, dos que não conseguiram deixar de ser pobres, dos menos aptos, dos preguiçosos, dos criminosos e deliquentes, dos «pretos», dos emigrantes em geral, dos que não têm educação nem ferramentas para se apresentarem competitivos.
A espiritualidade no meio disto não faz milagres. Mas ajuda-nos a situar na passagem que fazemos pela terra, na necessidade de nos tornarmos melhores (para nós e para os outros), na necessidade absoluta de protegermos o nosso meio ambiente (social, também e, em última análise, o planeta que habitamos), na necessidade de apostarmos na educação e na cultura como vias (é verdade, ainda acredito nisso) para uma autonomia de vida e uma consciência de si, dos outros e do mundo.
Não sou uma pessoa religiosa, no sentido tradicional do termo. Mas não sou isenta de fé e de sentido religioso, numa perspectiva mais ecumémica, se quisermos.
Acredito na Ciência mas tenho a noção que a Ciência não me explica tudo. E que nós precisamos (ou melhor, eu preciso) de ter alguns dogmas e alguma fé. Que a minha fé tenha ingredientes específicos, provavelmente também terá.
Por tudo isto e por mais que não caberá dizer «Religião e Apoio Social» sim, até porque provavelmente todas as religiões ensinam os valores e as práticas da partilha e da solidariedadedesde em todos os tempos e também nos de crise.
Mas que sejamos capazes de não voltar a ter «pobrezinhos por conta» para salvar a alma.
Isabel Passarinho
Assistente Social e Terapeuta Familiar